Projeto inicial

Nota importanteEsta página contém parte do projeto inicial apresentado ao Cultura Inglesa Festival. Vale lembrar que, como projeto inicial, representa apenas uma versão preliminar do projeto, ou seja, que provavelmente sofrerá mudanças ao longo do processo de realização. Em sua leitura leve em consideração que algumas idéias e propostas podem ser reavaliadas, modificadas ou inteiramente suprimidas na versão final de "One & Three Words".

“The discussion was not just about art, it was arguably art itself; not language about art, but language as art.” (Godfrey, 1998, p. 171)

Em consonância com a proposta do “Cultura Inglesa Festival” e sensível ao contexto onde ele ocorre — isto é, uma rede de ensino de língua e cultura inglesas que busca integrar e pensar ferramentas tecnológicas em sua metodologia de ensino, e que é freqüentada por jovens — este projeto parte das relações entre as línguas inglesa e portuguesa, principalmente à luz de obras que se encontram na encruzilhada da arte e da linguagem ligadas ao trabalho do grupo “Art & Language”, fundado em 1968 por artistas britânicos na cidade de Cambridge1. One & Three Words2 pretende revisitar algumas estratégias identificadas nessa produção (característica das décadas de 1960 e 1970) numa abordagem que (re)considera a crítica que receberam, com a intenção de expandir e atualizar essas estratégias ao contexto e prática atuais3.

Esta proposta prevê a ocupação do espaço expositivo de uma das galerias do Centro Brasileiro Britânico, bem como sugestões de desdobramentos possíveis dela, cujos formatos exatos deverão ser definidos junto aos organizadores do Festival. A inclusão destes desdobramentos parte da constatação que a arte contemporânea não pode se restringir somente à ocupação de espaços expositivos, devendo buscar seu lugar também junto à vida cotidiana4.

No espaço expositivo, trípticos de quadros revelam falsos cognatos5 encontrados no Google Tradutor6. Os trípticos são formados por um quadro que contém a impressão de uma página do Google Tradutor com uma palavra inglesa e o falso cognato correspondente, um outro com uma foto de uma tradução da mesma palavra inglesa encontrada num dicionário e no último uma foto de um verbete de dicionário com a definição da palavra que representa uma tradução mais adequada da palavra inglesa7.

Ainda no espaço expositivo, deverá ser colocada uma mesa com um banco e um computador equipado com uma câmera e acesso a internet, além de uma estante com livros relacionados à proposta de One & Three Words (tais como dicionários, textos sobre falsos cognatos, livros sobre tradução, sobre o grupo “Art & Language”, etc.). Nesse espaço, o público interessado percorrerá o processo criativo da obra ao consultar o Google Tradutor e o material disponível, que poderão ser fotografados, relacionados e compilados no computador; dando liberdade para cada visitante explorar seus próprios interesses.

A intenção em One & Three Words é, primeiramente, levantar algumas questões: uma palavra pode realmente ser trocada por sua tradução? De que vale saber a tradução de uma palavra e não seu sentido ‘original’? Até que ponto os significados originais permitem uma tradução?

Além disso, a escolha do Google Tradutor para determinar os falsos cognatos não foi por acaso e reflete não só a atual condição da internet, onde a língua franca é o inglês, mas também o domínio exercido pelo Google, que provê informação que nem sempre é criticada, interpretada ou filtrada apropriadamente.

Também é notável a avalanche de modificações lingüísticas impulsionadas pela inclusão de neologismos advindos da informática.

Coloca-se então a proposta de um trabalho de arte não só com um teor crítico em relação a esses mecanismos, mas também — por que não? — educativo.

“Paying more attention to the work of art than to the object of art: it is the activity that matters, rather than the thing.” (Godfrey, 1998, p. 139)

Os desdobramentos sugeridos a seguir devem ser encarados como vetores de aproximação, apresentam-se como sugestões iniciais a serem desenvolvidas colaborativamente, num processo de ativação desencadeado por uma proposta aberta.

Um primeiro desdobramento da instalação consiste em intervenções nas unidades da Cultura Inglesa da cidade de São Paulo. A proposta é trocar alguns dos quadros dispostos nas paredes das unidades por conjuntos de quadros como os que estarão no Centro Brasileiro Britânico, numa tentativa de transbordamento do espaço expositivo que permita a aproximação da obra com o público. É por isso que “intervenção” não deve ser entendida aqui nos sentidos de “interrupção” ou “irrompimento”, mas sim como “ativação” ou indução de ações integrativas junto ao público. A intenção é, por meio de uma reconfiguração simples do espaço familiar das unidades, iniciar um processo de reflexão junto aos alunos, professores e demais freqüentadores.

Um outro desdobramento começa com um encontro com profissionais que lidam com temas relacionados aos falsos cognatos e artistas que exploram a linguagem, palavras e a tradutibilidade em suas pesquisas8. Esse encontro deverá ser aberto ao público, mas será focado principalmente no contato do corpo docente da Cultura Inglesa com One & Three Words, de modo que, a partir dele, seja possível dar continuidade, junto à coordenação pedagógica da Cultura Inglesa, à realização de atividades educativas em aulas dos cursos das unidades, levando One & Three Words efetivamente aos alunos da Cultura Inglesa.

Não cabe prever quais ou como serão as atividades desenvolvidas nas aulas, exatamente porque a intenção é que elas sejam elaboradas em conjunto com os profissionais envolvidos. Mesmo assim, o alcance das questões relacionadas a One & Three Words apresentadas anteriormente apontam muitos caminhos que podem ser explorados e assim permitirem a efetivação total do trabalho num contexto mais amplo que aquele ao qual ainda costumam se circunscrever as práticas artísticas.

“Coventry School of Art in the Midlands was the original venue for Art & Language, where its members taught an art course from 1969 until 1970 (...) For them, teaching or conversation was as self-evident a way of making art as it would be for a philosopher to make philosophy.” (Godfrey, 1998, p. 195)

NOTAS

1 – Para uma breve história do “Art & Language”, sugere-se consultar Marzona, 2005.

2 – O título faz referência a “One & Three Chairs”, obra icônica da relação entre arte e linguagem, parte da série “Proto Investigations”, um dos trabalhos mais conhecidos e criticados do artista Joseph Kosuth (ver Osborne, 2002). Abordagens críticas enfocando aspectos bastante variados podem ser encontradas em Bochner, 1973; Burgin, 1988; Buchloh, 1989 e Soutter, 1999, entre muitos outros. Kosuth se tornou um renomado membro do “Art & Language”, sobre o qual teve grande influência, ainda que controversa, principalmente com seu texto “Art After Philosophy” (1969), que pode ser encontrado em Alberro, 1999.

3 – Além das referências citadas na nota anterior, Alberro, 1999 contém uma seção intitulada “Critical Histories of Conceptual Art” que detalha algumas correntes críticas dessa produção, sendo uma das mais contundentes a encontrada em Wall, 1985.

4 – Uma discussão muito bem informada sobre o que se costuma chamar de “arte e vida” e suas implicações históricas desde a idade Antiga até os dias de hoje é apresentada em Shiner, 2001.

5 – O termo “falsos cognatos” é utilizado aqui apenas por clareza, já que existem na literatura muitas abordagens para seu uso e significado mais corretos, bem como de variantes (“cognatos enganosos”, “cognatos enganadores”, “falsos amigos”, etc.). Sobre o tema sugere-se consultar Sabino, 2006 e Santos, 2007.

6 – Serviço gratuito de tradução do Google disponível em http://translate.google.com/

7 – Um exemplo é a tríade formada pelas palavras “adept”, “adepto” e “especialista”; “adept” é a palavra inglesa, “adepto” é um falso cognato e “especialista” é uma tradução mais precisa de “adept”.

8 – Alguns nomes que aponto para participar nesse encontro são: os artistas Jorge Menna Barreto e Raquel Garbelotti (autores do artigo “Especificidade e (in)tradutibilidade”); além dos pesquisadores da área de letras e lingüística Agenor Soares dos Santos (autor do livro “Guia Prático de Tradução Inglesa”), Marilei Amadeu Sabino (autora do artigo “Falsos cognatos, falsos amigos ou cognatos enganosos?”), Cláudia Pacheco Vita (autora da dissertação de mestrado “A opacidade da suposta transparência: quando ‘amigos’ funcionam como ‘falsos amigos’”) e Ulisses Wehby de Carvalho (responsável pelo site ‘teclasap.com.br’ desde 2001). O encontro pode ocorrer no próprio espaço expositivo ou em uma das salas de conferências do CBB.

REFERÊNCIAS

Alberro, Alexander. 1999. “Reconsidering conceptual art, 1966-1977”. In “Conceptual Art: a critical anthology”, editado por Alexander Alberro e Blake Stimson. London: MIT Press. 1999.

Barreto, Jorge Menna e Garbelotti, Raquel. “Especificidade e (in)tradutibilidade”. In “Arte em Pesquisa: especificidades”, v. 1. Brasília: Editora da Pós-Graduação da Universidade de Brasília. 2004.

Bochner, Mel. 1973. “Book review”. In “Theories and documents of contemporary art”, editado por Kristine Stiles e Peter Selz. Berkeley: University of Californa Press. 1996.

Buchloh, Benjamin H. D. 1989. “Conceptual art 1962-1969”. In “Conceptual Art: a critical anthology”, editado por Alexander Alberro e Blake Stimson. London: MIT Press. 1999. (Recomenda-se também ver a versão em: Buchloh, Benjamin H. D. 2004. “Formalismo e Historicidad”. Madrid: Ediciones Askal.)

Burgin, Victor. 1988. “Yes, difference again: what history plays the first time around as tragedy, it repeats as farce”. In “Conceptual Art: a critical anthology”, editado por Alexander Alberro e Blake Stimson. London: MIT Press. 1999.

Godfrey, Tony. 1998. “Conceptual art”. London: Phaidon Press.

Marzona, Daniel. 2005. “Arte conceptual”. Köln: Taschen GmbH.

Osborne, Peter. 2002. “Conceptual art”. London: Phaidon Press.

Sabino, Marilei Amadeu. 2006. “Falsos cognatos, falsos amigos ou cognatos enganosos?” In “Alfa Revista de Lingüística”, v. 50 nº2. São Paulo: Editora UNESP. 2006.

Santos, Agenor Soares. 2007. “Guia Prático de Tradução Inglesa”. Rio de Janeiro: Elsevier Editora.

Shiner, Larry. 2001. “The invention of art: a cultural history”. Chicago: The University of Chicago Press.

Soutter, Lucy. 1999. “The photographic idea: reconsidering conceptual photography”. In “Afterimage”: http://findarticles.com/p/articles/mi_m2479/is_5_26/ai_54421750.

Wall, Jeff. 1985. “Dan Graham’s Kammerspiel”. In “Conceptual Art: a critical anthology”, editado por Alexander Alberro e Blake Stimson. London: MIT Press. 1999.



http://oneandthreewords.org/sobre/projeto.shtml